Wednesday, August 30, 2006

 

Cabeça de Porco


Conforme seu nome denuncia, Ali Kamel descende de árabes. Mas sua identidade é outra. O editor-executivo da Central Globo de Jornalismo personifica à perfeição o espírito elitista associado às Organizações em que atua profissionalmente.
Quinzenalmente, Kamel faz as vezes de colunista na pagina de Opinião do Jornal da maior corporação midiática do país, quando a cruzada reacionária levada a cabo por ele contra propostas políticas de ação afirmativa visando a inclusão do negro nas universidades brasileiras é exposta aos leitores, incautos, em sua maioria. Seus argumentos, destilados com contundência e corroborados por manipuláveis dados estatísticos – moldando um embuste de acento pseudocientífico - encontram calorosa acolhida nas classes dominantes e iletradas deste país.
Em perfil traçado pelo site “Canal da Imprensa” sua figura é apresentada da seguinte maneira: “Kamel é tachado por seus colegas somente como chefe durão e não como um amigo, pois não demonstra amizade pelos seus colegas de trabalho, somente profissionalismo.” Um paxá corporativo, grosso modo.
Não satisfeito com seu espaço no periódico, Kamel lançou, com o devido estardalhaço midiático, um livro intitulado “Não somos racistas”, contra o qual reproduzo o excelente artigo assinado por Boaventura de Sousa Santos, este sim um senhor cientista social, que desnuda, indiretamente, a hipocrisia gananciosa do patrimonialismo brasileiro escamoteada no discurso de Kamel.

"As dores do pós-colonialismo

O BRASIL parece finalmente estar passando do período da pós-Independência para o período pós-colonial. A entrada neste último período dá-se pela constatação de que o colonialismo, longe de ter terminado com a Independência, continuou sob outras formas, mas sempre em coerência com o seu princípio matricial: o racismo como uma forma de hierarquia social não intencional, porque assente na desigualdade natural das raças. Essa constatação pública é o primeiro passo para iniciar a virada descolonial, mas esta só ocorrerá se o racismo for confrontado por uma vontade política "desracializante" firme e sustentável. A construção dessa vontade política é um processo complexo, mas tem a seu favor convenções internacionais e, sobretudo, a força política dos movimentos sociais protagonizados pelas vítimas inconformadas da discriminação racial. Para ser irreversível, a virada descolonial tem de ocorrer no Estado e na sociedade, no espaço público e no privado, no trabalho e no lazer, na educação e na saúde. A modernidade ocidental foi simultaneamente um processo europeu -dotado de mecanismos poderosos, como liberdade, igualdade, secularização, inovação científica, direito internacional e progresso- e um processo extra-europeu -dotado de mecanismos não menos poderosos, como colonialismo, racismo, genocídio, escravatura, destruição cultural, impunidade, não-ética da guerra. Um não existiria sem o outro. Por terem sido concedidas aos descendentes dos colonos europeus, e não aos povos originários ou aos povos para cá trazidos pela escravatura (exceção ao Haiti), as independências latino-americanas legitimaram o novo poder por via dos mecanismos do processo europeu para poder continuar a exercê-lo por meio dos mecanismos do processo extra-europeu. Assim se naturalizou um sistema de poder, até hoje em vigor, que, sem contradição aparente, afirma a liberdade e a igualdade e pratica a opressão e a desigualdade. Assentes nesse sistema de poder, os ideais republicanos de democracia e igualdade constituem hipocrisia sistêmica. Só quem pertence à raça dominante tem o direito (e a arrogância) de dizer que a raça não existe ou que a identidade étnica é uma invenção. O máximo de consciência possível dessa democracia hipócrita é diluir a discriminação racial na discriminação social. Admite que os negros e os indígenas são discriminados porque são pobres para não ter de admitir que eles são pobres porque são negros e indígenas. Uma democracia de muito baixa intensidade. A sua crise final começa no momento em que as vítimas da discriminação se organizam para lutar contra a ideologia que os declara ausentes e as práticas que os oprimem enquanto presenças desvalorizadas. Os agentes dessas lutas distinguem-se dos seus antecessores por duas razões. Em primeiro lugar, empenham-se na luta simultânea pela igualdade e pelo reconhecimento da diferença. Reivindicam o direito de ser iguais quando a diferença os inferioriza e o direito de ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza. Em segundo lugar, apostam em soluções institucionais dentro e fora do Estado para que o reconhecimento dos dois princípios seja efetivo. Daí a luta pelos projetos de Lei de Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial. O alto valor democrático desses projetos reside na idéia de que o reconhecimento da existência do racismo só é legítimo quando visa a sua eliminação. É o único antídoto eficaz contra os que têm o poder de desconhecer ou de negar o racismo para continuar a praticá-lo impunemente. Esses projetos de lei, se aplicados, darão ao Brasil uma nova autoridade moral e um novo protagonismo político no plano internacional. No plano interno, será possível a construção de uma coesão social sem a enorme sombra do silêncio dos excluídos. Para que isso ocorra, os movimentos sociais não podem confiar demasiadamente na vontade dos governantes, dado que eles são produtos do sistema de poder que naturalizou a discriminação racial. Para que eles sintam a vontade de se descolonizar, é necessário pressioná-los e mostrar-lhes que o seu futuro colonial tem os dias contados. Essa pressão não pode ser obra exclusiva do movimento negro e do movimento indígena. É necessário que o MST, os movimentos de direitos humanos, sindicais, feministas e ecológicos se juntem à luta, no entendimento de que, no momento presente, a luta pelas cotas e pela igualdade racial condensa, de modo privilegiado, as contradições de que nascem todas as outras lutas em que estão envolvidos. "

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS , 65, sociólogo português, é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). Escreveu, entre outros livros, "A Gramática do Tempo: para uma Nova Cultura Política (Cortez, 2006).

Comments:
por que vc acha tão interessantes esses dois temas, calis kafel (é isso o nome mesmo, to com preguiça de ir lá verificar), e o bom velinho boaventura? álias esse nome é irado, o chamado irado. é que nem idiana jones, parece nome se um super-heroi brasileiro, o boaventura, encara qualquer parada.
 
agora que nós sabemos a opinião do bom velinho sobre às diferentes raças, questionemonos, o que se será que o boaventura acha dos homosexuais jony. vc e ele poderiam ter uma conversa sobre isso. quem sabe sobre cús também. será que assim como o shubba ele acha que cú é tudo igual?
 
e aí jony, o que vc achou da sua leitura da "A Gramática do Tempo"? É um um texto um tanto quanto denso né jony? cheio de viéis, idas e vindas...
 
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